segunda-feira, 16 de maio de 2011

O beijo que está em todas as bocas


Faz tempo que um beijo não dava tanto o que falar. Embora casais gays já sejam figuras habituais nas novelas brasileiras, sua sexualidade foi sempre tratada com extrema discrição, como se qualquer demonstração mais efusiva de carinho fosse representar um incômodo para o telespectador comum. Mesmo o sinal mais básico de afeto – um beijo, puro e simples – costumava ser negada.
Em 2005, a Globo chegou a gravar um beijo entre Bruno Gagliassio e Erom Cordeiro para a novela “América”, mas a cena jamais foi ao ar. Seis anos depois, é o SBT, com a atração “Amor e Revolução”, quem quebra essa barreira: no capítulo de quinta-feira (12/05), as personagens Marcela (Luciana Vendramini) e Marina (Giselle Tigre) trocaram um beijo cinematográfico – o primeiro beijo lésbico das novelas brasileiras.
As atrizes Luciana Vendramini e Giselle Tigre
Pela primeira vez na história da televisão brasileira, um relacionamento homossexual está sendo retratado em condições de igualdade com o de qualquer casal hétero das novelas. Pela primeira vez, também, uma novela está refletindo com integridade a sociedade em que a narrativa se insere – tanto que o anúncio de que o beijo seria veiculado veio no exato dia em que a união homoafetiva foi aprovada pelo Supremo Tribunal Federal (uma mera coincidência, de acordo com o dramaturgo).
Se as emissoras temiam a rejeição, o esperado beijo indicou o contrário. No dia em que a cena foi ao ar, “Amor e Revolução” registrou uma média de 6 pontos de audiência, com picos de 9, um aumento em relação ao habitual. E as reações posteriores foram ainda mais inflamadas.
O autor Tiago Santiago
“A maioria dos comentários foi positiva”, comentou o autor Tiago Santiago. “A novela foi um dos assuntos mais comentados no Twitter e o beijo continua sendo visto na internet”, celebrou. Para ele, o fato de duas mulheres estarem envolvidas é um atenuante. “Causa menos rejeição ao público conservador, principalmente masculino. Os homens gays têm sido mais atingidos, sim, pela violência e pela homofobia”, afirmou.
E os avanços não vão parar por aí: Tiago já adiantou que haverá um segundo beijo e pondera que as mulheres podem terminar o folhetim juntas, não descartando nem sequer a possibilidade de envolvê-las em uma cena de sexo.
A aproximação
Nas novelas que já apresentam dois homens envolvidos, os personagens costumam trocar abraços e, se muito, beijos no rosto. Essa conquista, contudo, já soa reconfortante para os ativistas. “Foi um beijo quente e revolucionário”, descreveu Julio Moreira, presidente do Grupo de Conscientização Homossexual Arco-Íris.
Revolucionário, também, para a atriz Luciana Vendramini, que já se prepara para a possível cena de sexo. “Vai ser a minha primeira cena deste tipo. Nunca fiz nem com homem nem com mulher”, disse Luciana em entrevista ao jornal O Globo. Ela, entretanto, não se diz apreensiva. “Fico bem mais à vontade com alguém do mesmo sexo, acho que porque não sinto nada mesmo. Com homem dá uma travada”, explicou, entre risos.
O contato
O retorno do público também tem sido valioso à atriz, que revela que tem sido abordada na rua e parabenizada. Um ilustre elogio veio de Aguinaldo Silva, dramaturgo da Rede Globo, que congratulou Tiago e a emissora pela ousadia. Em 2005, Aguinaldo criou um casal lésbico para a sua novela “Senhora do Destino”, mas as moças eram permitidas a trocar, no máximo, selinhos.
“Eu já tentei algumas vezes e sempre levei os maiores passa-foras, já desisti há muito e decretei: beijo gay agora só se for na minha casa. Palmas para Silvio Santos, que deve ter visto a cena, soltado um ho-ho-ho daqueles e decretado: libera!”, escreveu Aguinaldo em seu blog, em uma menção não muito disfarçada à emissora que o emprega.
Amor e Revolução
Em uma coisa, Aguinaldo parece ter razão: Silvio Santos está rindo à toa! Ele convidou Tiago para participar de um dos jogos de sua atração dominical, e ainda que não tenha comentado abertamente sobre o beijo, insinuou em mais de uma ocasião sobre o assunto. “Todo mundo está falando dessa novela. Espero que você não se amedronte!”, disse Silvio para o autor, deixando implícito que Tiago tem carta branca da emissora para levar a situação adiante.
Ele ainda se vangloriou do rapaz (“Eu sou o artista mais inteligente do Brasil, pois consegui contratar o Tiago Santiago”) e elogiou o desempenho do folhetim (“O negócio do Tiago é escrever novela boa e ganhar Ibope”).
Sílvio Santos e Tiago Santiago
O SBT, que sofreu baques consideráveis nos últimos anos ao perder a “liderança do segundo lugar” para a Rede Record, voltou a ser foco de interesse e mote frequente de conversa. Parece óbvio que a emissora vai explorar seu “casal dos ovos de ouro” em “Amor e Revolução” até aonde for possível – para ganho pessoal e, consequentemente, para uma causa social.
É questão de tempo até que a concorrência adote as mesmas estratégias. Até o ponto em que os beijos gays se tornarão tão frequentes quanto nas séries americanas e não houver nada mais de polêmico ou diferenciado para que eles dêem o que falar.

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